Quem foi Jesus Cristo na opinião de Flávio Josefo (37-100dC)?
Flávio Josefo é considerado como um dos maiores
historiadores judeus de sua época, e além de escrever sobre a História dos
Judeus e suas guerras, também escreveu sua autobiografia, na qual se
descreve como filho de Matias o sacerdote judaico, nascido em Jerusalém,
instruído pela torá e adepto do farisaísmo (JOSEFO, Flávio, História dos
Judeus – CPAD, 2000, pp.476-495). O seu testemunho é importante, pois é
provavelmente o único relato sobrevivente de uma testemunha ocular da
destruição de Jerusalém.
Josefo é considerado como um revolucionário judeu
que rendeu-se à supremacia romana trocando o suicídio pela lealdade a Roma. Por
sua demonstração de lealdade, Vespasiano não apenas o recebeu como cidadão
romano, mas o patrocinou como historiador.
No seu livro Antiguidade dos Judeus, que é
normalmente datado na década de 90dC tem duas citações interessantes. A
primeira faz clara referência a Tiago “irmão de Jesus chamado Cristo”
(GEISLER, Norman, Não tenho fé suficiente para ser ateu – Vida, 2006,
pp.227), veja:
“Anano,
um dos que nós falamos agora, era homem ousado e empreender, da seita dos
saduceus, que, como dissemos, são os mais severos de todos os judeus e os mais
rigorosos no julgamento. Ele aproveitou o tempo da morte de Festo, e Albino
ainda não havia chegado, para reunir um conselho diante do qual fez comparecer
Tiago, irmão de Jesus chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os de terem
desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento. Esse ato desagradou
muito a todos os habitantes de Jerusalém, que eram piedosos e tinham verdadeiro
amor pela observância das nossas leis” – (JOSEFO, Flavio, História dos Judeus –
CPAD, 2000, pp.465)
Dois fatos são interessantes nessa citação: (1)
Confirma uma clara declaração das escrituras: Jesus tinha um irmão chamado
Tiago (Gl.1.19); (2) Ele era reconhecido como Cristo, outra afirmação clara das
escrituras (Mt.16.16).
A segunda declaração de Josefo a respeito de Jesus
é ainda mais explícita e por isso, muito controversa. Pouco antes da declaração
supracitada, ele também afirma:
“Nesse
mesmo tempo apareceu Jesus, que era um homem sábio, se todavia devemos
considera-lo simplesmente como um homem, tanto suas obras eram admiráveis.
Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido
não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios. Ele era o
Cristo. Os mais ilustres da nossa nação acusaram-no perante Pilatos e ele
fê-lo crucificar. Os que o haviam amado durante a vida não o abandonaram depois
da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos
profetas o tinham predito e que ele faria muitos outros milagres. É dele que os
cristãos, que vemos ainda hoje, tiraram seu nome” – (JOSEFO, Flávio,
História dos Judeus – CPAD, 2000, pp.418)
Essa citação tem sido criticada como sendo
impossível de ter sido proferida por um judeu-romano escrevendo sobre a
história dos judeus. Normalmente apela-se par ao fato de que o texto acima é
fruto de uma corrupção cristão tardia, especialmente pelo fato de que Orígenes
(185-253dC) atesta que Josefo não aceitava a Messianidade de Jesus. Entretanto,
essa declaração não é inteiramente verdadeira, observe a declaração de
Orígenes:
“Tamanha
era a reputação de Tiago entre as pessoas consideradas justas, que Flávio
Josefo, que escreveu Antiguidade dos Judeus em vinte livros, quando ansiava por
apresentar a causa pela qual o povo teria sofrido grandes infortúnios que até
mesmo o tempo fora destruído, afirma que essas coisas aconteceram com eles de
acordo com a Ira de Deus em consequência das coisas que eles se atreveram a
fazer contra Tiago o irmão de Jesus que é chamado Cristo. E o que é
fantástico nisso é que, apesar de não aceitar Jesus como Cristo, ele deu
testemunho da justiça de Tiago” – (Orígenes, Origen’s Commentarary on Matthew,
IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 9, pp.424)
Considerando o fato de que Orígenes atesta que
Josefo o chama de Cristo (como vimos que o faz quando fala sobre Tiago),
embora não o considerasse como tal, não é impossível que a citação seja de
fato verdadeira. Porém, devemos reconhecer que algumas das declarações
desse texto atribuído a Josefo parecem por demais cristãs para serem de um
fariseu, e entendemos que não é à toa que tenha sido considerada uma
interpolação.
Edwin Yamauchi, professor emérito de história na
Universidade de Miami, comenta essa citação de Josefo e explica que é possível
perceber onde estão as interpolações, ou supostas alterações cristãs tardias.
Ele argumenta que era incomum para um cristão referir-se a Jesus Cristo apenas
como um homem sábio, o que sugere que o texto nesse caso é de Josefo. Por outro
lado, parece improvável que um judeu sugeriria que ele não era simplesmente um
homem. Nesse caso, Yamauchi atesta que esse é um possível caso de interpolação
cristã tardia. Sobre a expressão “Ele ensinava os que tinham prazer em ser
instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo
por muitos gentios”, Yamauchi defende que está em conformidade com o estilo
e vocabulário de Josefo, mas a conclusão “Ele era o Cristo” parece
direta demais para um judeu (STROBEL, Lee, Em defesa de Cristo, Vida, 1998,
104).
Contudo, ainda que tal citação de Josefo possa ser
tomada com algumas ressalvas, é importante lembrar que uma versão árabe do
texto de Josefo no mesmo trecho, que embora tenha as partes mais criticadas
ausentes, apresenta aspectos interessantes sobre Cristo, observe:
“Nessa
época havia um homem sábio chamado Jesus. Seu comportamento era bom, e sabe-se
que era uma pessoa de virtudes. Muitos dentre os judeus e de outras nações
tornaram-se seus discípulos. Pilatos condenou-o à cruficicação e à morte. E
aqueles que haviam sido seus discípulos não deixaram de seguí-lo. Eles
relataram que ele lhes havia aparecido três dias depois da crucificação e que
ele estava vivo […] talvez ele fosse o Messias, sobre o qual os profetas
relatavam maravilhas” – (GEISLER, Norman, Enciclopédia de Apologética – Vida
2002, pp.449)
Após apresentar essa versão do texto de Josefo, em
outro livro Geisler explica sua preferência por essa leitura:
“Existe
uma versão dessa citação na qual Josefo afirma que Jesus era o Messias, mas a
maioria dos estudiosos acredita que os cristãos mudaram a citação para que
fosse lida dessa maneira. De acordo com Orígenes, em dos pais da igreja nascido
no século II, Josefo não era cristãos. Desse modo, é improvável que ele pudesse
afirmar que Jesus era o Messias. A versão que citamos aqui vem de um texto
árabe que, acredita-se, não foi corrompido” – (GEISLER, Norman, Não tenho
fé suficiente para ser ateu – Vida, 2006, pp.227)
Diante dessas informações, devemos ainda lembrar os
leitores que a credibilidade de Josefo como historiador já foi colocada a prova
diversas vezes. Em um provocativo livro chamado Jesus e Javé, o judeu
ateu Harold Bloom logo de início apresenta sua visão acerca de Cristo e Josefo:
“Não há
fatos comprovados acerca de Jesus de Nazaré. Os poucos fatos que constam na
obra de Flávio Josefo, fonte da qual todos os estudiosos dependem, são
suspeitos, pois o historiador era José bem Matias, um dos líderes da Rebelião
Judaica, que salvou a própria pele por ter bajulado os imperadores da Dinastia
Flaviana: Vespasiano, Tito e Domício. Depois que um indivíduo proclama
Vespasiano como Messias, ninguém deve mais acreditar no que tal pessoa escreve
a respeito do seu povo. Josefo, mentiroso inveterado, assistiu, tranquilamente
à captura de Jerusalém, à destruição do Templo e à matança dos habitantes”
– (BLOOM, Harold, Jesus e Javé, os nomes divinos – Objetiva, 2006, pp.31)
Nesse momento temos que fazer uma importante
pergunta: “O que ganharia esse judeu traidor nacional em mencionar a figura
de Jesus?”. Considerando o fato de que era financiado por Roma, era de se
esperar que sua visão pudesse ter sido comprada pelos romanos e sua história
tenha cedido em alguns lugares à tentação de ser conscientemente impreciso o
que o levou a ganhar a fama de mentiroso inveterado.
Contudo, aos olhos de Roma, essa nova “religião”
tinha claras tendências de ser facciosa ao Império em função do seu estranho
conjunto de doutrinas e sua objetiva recusa de adorar ou a César ou aos deuses
romanos. Com isso, era de se esperar que ele suprimisse qualquer evento, fato
ou personagem que pudesse o colocar em oposição com seus patrocinadores.
Portanto, é evidente que não haveria qualquer ganho
para Josefo em apresentar a pessoa de Jesus, e talvez, por essa mesma razão, é
que ele tenha escrito tão pouco a seu respeito. Mas, ainda assim, com o
testemunho de Josefo, nós podemos reconhecer algumas das características de
Cristo e sua história, tal como contada pelos evangelistas:
(1) Jesus foi um homem considerado sábio;
(2) de bom comportamento e virtudes;
(3) tinha um irmão chamado Tiago
(4) teve muitos seguidores de diferentes
nacionalidades;
(5) foi crucificado por Pilatos;
(6) por crucificação;
(7) nem por isso seus discípulos o abandonaram;
(8) eles relataram a ressurreição de Cristo após
três dias;
(9) além de uma possível relação com o Messias
anunciado pelas escrituras hebraicas.
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